Festival do Rio 2012

Curtinha a introdução porque vai ficar grandão isso aqui: aconteceu aí o Festival do Rio 2012, do dia 27 ao dia 11, e eu, felizmente, pude participar. Vi, entre inéditos e retrospectivas, 34 filmes. Aqui vai um breve comentário sobre alguns deles e algumas considerações sobre o evento.

1) A organização como um todo deixou muito a desejar, apesar de os atendentes sempre serem muito educados e até simpáticos comigo. O sistema de retirada de ingresso para o passaporte (meu caso) saiu do ar mais de uma vez e houve casos em que o ingresso para determinada sessão estava sendo vendido na bilheteria mas ele não estava disponível pra retirada na Central de Ingressos (que por sinal, só possuia uns 6 caixas, dos quais apenas 2 para atender a galera do passaporte; isto, junto com a falta de noção de algumas pessoas que decidem montar a programação no balcão, criou grande atraso). Fora isso, problemas com exibição e legenda: peguei algumas sessões com projeção escura e algumas com digital sofrido; muitas legendas digitais possuíam erros grosseiros, mas nada que revoltasse a ponto de abandonar a sessão.

2) Teve dois casos de erros com cópia que impediram a exibição do filme que presenciei: Room 237 no Estação Vivo Gávea e Robot & Frank no São Luíz. Uma pena, pois queria muito ver os dois filmes e não consegui encaixar em algum outro canto da minha programação (e nem vão passar na repescagem).

3) Vi poucos filmes ruins, o que revela ou meu bom dedo pra escolhas ou o do festival. (Ou revela que eu sou bonzinho com os filmes, o que é muito mais provável.) Entre os melhores estão (em ordem de preferência):

a) Killer Joe: Maravilhoso estudo de personagem, dirigido com afinco por Friedkin. Não sei como o Matthew McConaughey consegue fazer tanto filme ruim e ainda assim ter o talento que demostra aqui. A trama simples é perfeita para encaixar as críticas a sociedade de consumo americana e a psicopatia do personagem-título é soberba, culminando em toda a sequência final que entra como uma das melhores coisas que vi esse ano. Sujo, lúcido, rasgado e soberbo. Favor ver esse filme.

b) Tabu: Não me atrevo a delongar sobre essa peça rara dirigida por Miguel Gomes, até porque não vi nas melhores condições e uma revisão será bem vinda. Ainda assim, recomendo fortemente pois o que vi era lindo, daquelas belezas que não se encontra em qualquer lugar. Incrível como Gomes faz uma apropriação da linguagem cinematográfica e cria uma linguagem própria, densa, com a qual narra o filme de maneira invejável. A narração, por exemplo, quase sempre uma escora narrativa, aqui é a forma perfeita de condição da históra.

c) Holy Motors: Não sei o que outros entenderam, mas, pra mim, Holy Motors é um filme sobre o cinema e sobre a força do cinema – e isso eu “intui” desde a primeira cena do filme. Foi assim que todas as histórias separadas do filme se juntaram para mim, formando um microcosmo ao mesmo tempo curioso e poderoso. E tudo isso ancorado pela atuação central marcante de Denis Lavant, que vai levando o filme, junto com a direção segura e sem grandes firulas de Carax (fora a grande firula que é o filme inteiro, claro), de forma tranquila e sutil.

d) Moonrise Kingdom: Aqui eu vou falar menos porque pretendo escrever mais sobre ele depois, mas que fique claro que eu sou fã do Anderson e este aqui é o filme mais “wesandersoniano” (!) que já vi. Lindo, fofo, precioso. Se você, como eu, apreciar o trabalho do sujeito, vá logo; se não, vá com cuidado.

e) Viola: Filme argentino que vi sem ter conhecimento nenhum e que me decepcionou um pouco na hora, mas só cresceu desde então. Algumas cenas, como aquela que envolve o ensaio de uma cena de teatro por duas atrizes, são conduzidas com um frescor e uma vivacidade  incríveis, a câmera sempre perto dos personagens, e eles sempre próximos. Além disso, as atuações femininas do filme são ótimas.

f) Bad 25: Documentário sobre a produção do albúm Bad, do Michael Jackson. Mostra não só o tanto que o músico era perfeccionista mas também o tanto que era talentoso, coisa que todo mundo já sabe mas é sempre bom ver em vídeos e áudios inéditos. Legal também a estrutura que Lee escolheu, tratando de cada música separadamente e aprofundando-se no que precisava, levando o tempo que precisava, criando assim dois ou três momentos incrivelmente comoventes durante a projeção. Pra quem é fã, uma excelente pedida.

g) A Última Vez Que Vi Macau: Impossível não pensar em Chris Marker ao ver esse filme (eu o fiz com o pouco que conheço do diretor). Ainda assim, essa não é a única influência do filme, que flerta também com uma história de mistério com toques fantásticos, tudo calcado na realidade do documentário, que torna as coisas muito mais incríveis.

4) Vi também alguns filmes não-inéditos, todos excelentes. A retrospectiva do John Carpenter foi a que mais aproveitei, em que descobri muitas belezuras. Descobri também um Fellini e um Oliveira, ambos maravilhosos. Desse balaio, destaco (em ordem alfabética e curtinho, porque ainda não me atrevo a tratar de clássicos):

a) Aniki-Bobó: A infância pelos olhos e sensibilidade de Manuel de Oliveira, mas, muito mais que isso, um belo filme.

b) Assato à 13ª DP: Aula de cinema de Carpenter, que com um cenário e uma premissa simples faz um filme soberbo.

c) A Doce Vida: Segundo Fellini que vejo e ainda não me decepcionei. A beleza desse filme, com seus episódios, está na atualidade e universalidade.

d) Eles Vivem: Humor negro do melhor, com crítica social visível mas flúida. Tem ainda uma das melhores cenas de luta que já vi.

e) O Enigma de Outro Mundo: Outro belo trabalho do Carpenter, uma história de ficção científica tensa na medida certa.

5) Poucas sessões foram em película, o que é ao mesmo tempo compreensível e triste. Apesar disso, vi alguns digitais bons. Poucos, mas existiam.