O Garoto Selvagem

Três trechos de um trabalho de antropologia para a faculdade sobre O Garoto Selvagem, de François Truffaut. Não ficou essas coisas, mas eu gostei e passei, então beleza.

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A imagem de um menino nu, sujo, ao topo de um arvora de tamanho considerável é mostrado em meio a um bosque num belo plano aberto logo no início de O Garoto Selvagem, filme de 1970 dirigido por François Truffaut, serve como significativo tanto para seu passado, existente apenas no universo diegético, quanto para seu futuro (a trama): se aquela imagem nos mostra a harmonia do menino naquela que é sua zona de conforto e a tranquilidade e força de sua presença, também nos serve como comparativo para o que ainda há de vir, para a introdução de civilidade naquele rapaz; esta também é a introdução do personagem rousseano na película. Não é por acaso, então, que Truffaut termina esse plano com um fade centralizando na figura do Menino Selvagem; o diretor conhece a força da montagem em um filme e faz uso dela de forma a te informar constantemente o essencial a esta história, mesmo que você não perceba.

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O Garoto Selvagem dialoga de forma muito coerente com a obra de Truffaut, sempre interessado em personagens de infantes rebeldes, um paralelo com o próprio crescimento do cineasta.  Seu personagem mais famoso é Antoine Doinel, um reconhecido alter-ego sempre interpretado por Jean-Pierre Leáud, protagonista de vários de seus filmes, entre eles sua estréia, Os Incompreendidos. Isto ajuda a entender o porquê do diretor escolher este projeto e porque toma tanto cuidado na recriação e condução do personagem principal, cuidado este tão intenso que o próprio Truffaut interpreta Itard na película, como se quisesse ele mesmo cuidar daquele garoto, “dirigi-lo” em frente às câmeras.

Conduzindo assim a história, em meios de fades e uma fotografia em preto e branco que também denotam um classicismo da linguagem, mas principalmente estabelecem o tempo do filme, Truffaut, no papel de Itard, ensina o menino selvagem de Aveyron a se portar em meios sociais – ou pelo menos tenta.

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E isso nos traz de volta a Truffaut. Ninguém poderia ter feito O Garoto Selvagem de forma tão pungente como este diretor. Tratando a infância de forma natural, conduzindo o filme tanto pelo papel de diretor quanto pelo papel de Itard, Truffaut cria uma obra central de como a infância é vital na psique de uma pessoa; de como os acontecimentos que ali tomaram presença são formadores. Sendo ele mesmo um exemplo disso, ele tenta mostrar também um embate entre a condição natural do ser humano e a condição do homem em sociedade, tendo a coragem de, ao final, introduzir uma ambiguidade: na última cena, após fugir e permanecer fora por alguns dias,Victor retorna à casa da Itard, carregando uma expressão pesada que se assemelha àquelas vistas no início do filme; é bem recebido e logo é levado para descansar, sendo avisado de que no outro dia retornaria aos estudos – notícia que recebe com a mesma expressão, sem a leveza da natureza.